sexta-feira, 8 de julho de 2016

Um Gaúcho no Coração da Amazônia

Ajudando os Mundurukus a demarcarem a Terra Indígena Sawré Muybu 
Emerson Prates, atual coordenador do Grupo de Voluntários do Greenpeace de Porto Alegre, esteve na aldeia dos índios Mundurukus, junto com outros voluntários do Greenpeace Brasil e Internacional, para participar do acampamento que a ONG está realizando no local para dar início à campanha “Salve o Coração da Amazônia”

O objetivo desta nova campanha, é ajudar os índios na demarcação de suas terras e também pressionar o governo federal a não levar adiante o plano da construção das barragens hidrelétricas no Rio Tapajós.

Após seu regresso, Emerson Prates concedeu a seguinte entrevista ao voluntário Valdeci C. de Souza para relatar sua experiência na floresta e a importância desta nova campanha.

Green Poa: Que motivação levou você a participar do Grupo de Voluntários do Greenpeace de Porto Alegre?

Emerson Prates: Desde menino sempre tive preocupações com o ambientalismo.   Tanto, que era fã de programas da National Geografic ou programas afins.  Aos 35 anos, percebi que deveria fazer alguma coisa de efetivo em favor da natureza. Principalmente para inspirar os meus filhos, que na época, estavam com 15 anos (casal de gêmeos) e uma menina de 11 anos. Acreditava (e ainda acredito), que o exemplo é melhor que a palavra. Assim, quando surgiu a oportunidade, me tornei voluntário do Greenpeace.

Green Poa: Neste período como voluntário na defesa do meio ambiente, que ação ou campanha foi a mais gratificante?

Emerson Prates: Já participei de inúmeras campanhas e ações como voluntário, mas a ação que mais me emocionou foi ter participado da atividade em uma escola em Gravataí, RS. Nesta oportunidade, realizamos com as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, brincadeiras lúdicas e educativas com temas relacionados ao respeito ao meio ambiente e aos animais.  Foi gratificante ver a reação, participação e engajamento de todos com esta atividade. Inclusive, recebemos uma singela homenagem da gurizada.

Outra atividade interessante de citar, foi a parceria com o Fórum Ambiental de Porto Alegre onde o grupo foi convidado a fazer um levantamento das árvores tombadas na grande tempestade que assolou Porto Alegre no dia 29 de janeiro deste ano. O objetivo da ação seria o replantio de algumas árvores tombadas.  Foi legal acompanhar todo o processo, como o levantamento de espécies raras e nativas da nossa região que, não fosse este trabalho, seriam simplesmente cortadas e descartadas como lenha.  Este trabalho foi importante para provar, inclusive para os órgãos ambientais locais, que árvores caídas não estão mortas e hoje, algumas delas, estão de pé e bem vivas.

Árvore centenária no coração da Amazônia
Green Poa: O Projeto Escola do Green de Porto Alegre, tem realizado inúmeras palestras na capital gaúcha e região metropolitana. Como palestrante, você tem atuado neste importante meio de divulgação das atividades do Greenpeace e também na conscientização dos jovens estudantes nas questões do aquecimento global e tudo mais. Como você analisa o grau de preocupação dos estudantes com estas questões? As escolas estão fazendo um bom trabalho na educação ambiental?

Emerson Prates: A receptividade dos estudantes, tanto do ensino médio como do ensino fundamental têm sido a melhor possível.  Acredito que este trabalho é importante, na medida em que, após as palestras, alguns jovens mostram interesse em acompanhar mais de perto estas questões e também participarem ativamente como ambientalistas. Todavia, é preciso que este trabalho do Projeto Escola continue para que possamos, cada vez mais, inspirar esta juventude para a importância das práticas sustentáveis.  Infelizmente, em termos pedagógicos, algumas escolas estão precisando trabalhar mais a questão ambiental de forma mais sistemática e com aprofundamento. Tenho notado, que as escolas que fazem este trabalho de forma mais séria, os alunos são mais engajados e participativos.

Green Poa: Como você recebeu o convite para participar do acampamento junto à reserva indígena dos Mundurukus?

Emerson Prates: Em razão das minhas inúmeras atividades como voluntário e também das minhas capacitações como ativista, fui convidado para integrar a equipe do Greenpeace que estaria junto com a tribo indígena dos Mundurukus na aldeia Sawré Muybu para, junto com a tribo, evitar a construção das hidrelétricas no Rio Tapajós. Outra ação importante também, foi no apoio aos Mundurukus a fazerem a sua autodemarcação de terras para pressionar o governo federal a homologar a demarcação de suas terras.

Green Poa: Conte-nos um pouco sobre a rotina diária no acampamento. Quais eram tuas responsabilidades, o que fazias nas horas de folga, etc...

Emerson Prates: Fui designado a trabalhar na cozinha do acampamento na supervisão da grande cozinheira (e agora grande amiga), Iracema.  Também, me voluntariei para trabalhar em outras atividades para o bom desempenho do grupo como um todo na aldeia. Entre estas atividades, realizei por lá expedições para demarcações de terras, transporte de mantimentos, toras de madeiras para construções em geral, limpeza de banheiros... Enfim, tudo o que precisava ser feito, todo mundo participava como grupo unido. Lazer mesmo, só apreciar a natureza, constatar a convivência harmoniosa dos índios com aquele lugar paradisíaco e ouvir os pássaros. E alguns banhos de rios e igarapés que ninguém é de ferro!

Aldeia  Sawré Myubu 
Green Poa: Que experiência você trouxe na bagagem?

Emerson Prates: São várias experiências que trago da floresta e da convivência com este povo fantástico que são os Mundurukus. Primeiramente gostaria de citar o espírito de coleguismo e de harmonia de todos os voluntários lá presentes. Apesar de cada um ter sua função específica dentro da aldeia e da logística de funcionamento do local, todos atuavam em todas as áreas e se voluntariavam a realizar outras tarefas além do estipulado “oficialmente”. A hierarquia de chefia e de comando que existe para a realização de uma campanha deste porte, se diluía no dia-a-dia, na medida em que cada um estava preocupado – não só com a sua atividade, mas com a harmonia do todo. A convivência era pacífica e harmoniosa. Este aspecto de grupo foi muito legal ter vivenciado.

Outra experiência interessante, foi a convivência com os índios e perceber a necessidade urgente que temos de preservar suas terras, seus valores e costumes. Para quem vem de uma cidade grande como Porto Alegre e, de repente se depara com a vasta Amazônia, uma outra realidade se abre e um outro povo se apresenta. Foi gratificante sentir na pele os valores do verdadeiro ambientalismo que sempre defendi e luto para preservar. Ali na aldeia, tive a clara noção de como é fácil a convivência com a mãe natureza e como é possível ter uma vida sustentável.  A parte teórica do ambientalismo é interessante, mas assistir, ao vivo, esta convivência foi emocionante.  Falar em respeito ao próximo, à floresta, aos animais e toda esta biodiversidade deste país continental é legal, mas vivenciar e participar disso tudo foram experiências de uma vida toda. Tornei-me índio nestes dias e quero levar esta experiência para o meu grupo e para a minha luta por um país mais verde e sustentável.

Voluntariado e Ativismo: Só aventura 
Green Poa: Qual foi a maior dificuldade de conviver na densa floresta e na companhia dos índios neste importante momento da vida na aldeia?

Emerson Prates: A maior dificuldade que encontrei, foi deixar de lado minha ideia de vida de homem branco. Afinal, nossas culturas e tempo de ação são bem diferentes. Não tem como chegar lá e exigir ação para determinada atividade se este não é o momento deles. Ou tentar impor alguma coisa. Tive que trabalhar de acordo com o pulsar da aldeia. Abandonar cultura do homem branco não é fácil, assim como também não deve estar sendo fácil, a convivência conosco. Tudo é uma questão de convivência e respeito. Eles aceitam nossa ajuda, nosso trabalho e empenho em preservar suas terras, mas dentro de suas possibilidades como índios donos das terras. Eles são os donos, nós estamos ali somente para ajudar. 

Green Poa: Qual a importância desta campanha a nível nacional e mundial e como ela será desenvolvida pelo Grupo de Voluntários do Greenpeace de Porto Alegre?

Emerson Prates: A campanha, a nível mundial e nacional, é importante na medida em que torna pública a necessidade de preservar este importante bioma que é a Amazônia. Não é possível que o governo federal queira destruir tudo isso para a construção de barragens e usinas hidrelétricas no coração da floresta e não respeitar os índios, a fauna e a flora local. A respeito das atividades a serem desenvolvidas pelo grupo de voluntários do Greenpeace de Porto Alegre, será dar continuidade desta campanha no Estado através de nossas atividades nos pontos verdes, projeto escola e mostrar ao público a necessidade de assinarem a petição para que o governo federal não venha a construir as barragens no Rio Tapajós. Será um trabalho de formiguinha, assim como diz a tradução da palavra Munduruku: Formiga Vermelha.

Green Poa: Quais os impactos ambientais e sociais na construção destas barragens hidrelétricas em pleno coração da Amazônia?

Emerson Prates: Os impactos ambientais e sociais são imensos. No relatório “A Luta Pelo Rio da Vida” divulgado pelo Greenpeace, constam dez crimes ambientais que serão cometidos na construção destas barragens (páginas 12 e 13). Só pra citar alguns, diria que a extinção de plantas e animais endêmicos, remoção dos grupos indígenas de suas terras e a paralisação da homologação da Terra Indígena Sawré Muyby (que já se arrasta há décadas) são alguns malefícios destas barragens em pleno coração da Amazônia.

Aldeia Sawré Muybu
Green Poa: Conte-nos um fato ou ação que ficará marcado na tua memória.

Emerson Prates: Dar de cara com uma cobra coral verdadeira numa das trilhas que realizei em plena floresta.  Inesquecível também foi a ferocidade dos mosquitos Pium. Nunca vi tantos em ação... Repelente para eles era tempero! Falei em aranha? Meu Deus! Enfim, viver na floresta com a bicharada no seu habitat natural foi tri, mas não foi fácil (risos).

Green Poa: Tuas considerações finais.

Emerson Prates: Não posso deixar de falar na importância de ter conhecido e convivido estes dias, com o verdadeiro “Heroi da Floresta”, Sr. Paulo Adário. Um sujeito boa praça que luta pela preservação da floresta 24 horas por dia. No meu segundo dia na floresta, participei de uma reunião com os índios em que o Paulo Adário fez uma breve prelação a todos e, de forma emocionante, citou que ali estavam reunidos os verdadeiros guerreiros da floresta: Os índios Mundurukus e os Guerreiros do Arco-Íris. Foi um momento em que percebi que estava no lugar certo. Participar desta luta em defesa da Amazônia e de toda esta biodiversidade não tem preço.




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